Representantes de Redes de Agroecologia de 8 países latino-americanos e de 5 estados brasileiros  estiveram presentes no debate sobre Certificação Orgânica Participativa: Conexões Latino-Americanas, que aconteceu na tarde da última segunda-feira, 24, no Centro de Ciências Agrárias da UFSC. O evento promovido pelo Cepagro faz parte da programação da Vivência em SPG do projeto Saberes na Prática em Rede, que aconteceu entre 21 e 26 de setembro, com o apoio da Inter-American Foundation, visando ao intercâmbio de experiências em certificação participativa na América Latina.

O debate foi dividido em dois momentos, tratando inicialmente da conjuntura brasileira em Sistemas Participativos de Garantia e em seguida foram apresentadas iniciativas bem sucedidas existentes no México, Paraguai e Brasil. Os palestrantes convidados para a primeira parte foram Virgínia Lira, coordenadora de Agroecologia do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, Laércio Meirelles, do Fórum Latino-americano de SPG e Romeu Leite, coordenador do Fórum Brasileiro de SPG.

Virgínia abriu o debate apresentando alguns dados sobre a produção de orgânicos no Brasil atualmente. Porta voz da Agroecologia dentro do Ministério da Agricultura, ela afirmou que, apesar da crise em que nos encontramos, a produção de orgânicos no país não para de crescer, e com isso os Sistemas Participativos de Garantia também avançam.
Em sua fala, Virgínia enalteceu as relações humanas estabelecidas dentro dos SPGs, uma relação que permite a troca de experiências, conhecimentos e a melhoria na produção de orgânicos, uma vez que as dúvidas dos agricultores podem ser sanadas em um diálogo direto e próximo. Nos SPGs, a identidade cultural dos agricultores é respeitada e levada em conta na hora de pensar nos processos da certificação, uma lógica longe de ser atendida pela certificação por auditoria.
Virgínia propôs como desafio a simplificação dos formulários de certificação e deixou como perspectiva para um futuro próximo a aproximação entre Brasil e Chile, após a assinatura do memorando de intenções, que na prática deverá permitir a circulação de certos produtos orgânicos entre os dois países com o mesmo selo de garantia. Atualmente, se um produtor orgânico brasileiro quer comercializar seu produto no Chile, ele precisa contratar uma certificadora que esteja credenciada lá para que o seu produto seja reconhecido pelas normas chilenas, e vice e versa. A futura equivalência dos selos promete abrir portas e baratear os custos da importação para os produtores orgânicos.
Em seguida, Laércio Meirelles assumiu o microfone e contou a história da Certificação Participativa no Brasil, desde a década de 1980. Ele lembrou que os SPGs surgiram pelo desejo de desburocratizar, baratear e dar autonomia aos agricultores, mas infelizmente o reconhecimento da certificação participativa por parte do Estado tem distanciado os SPGs desse objetivo, por burocratizar demais o processo. Segundo Laércio, “a Agroecologia e o Estado não são filhos do mesmo pai e mãe. A Agroecologia é um filho anarquista”, e essa distância dificulta a relação entre ambos. Para ele é preciso haver mais legitimidade social e equilíbrio entre busca por regulamentação e fiscalização.
Romeu LeiteRomeu Leite, do Fórum Brasileiro de SPG e que também é produtor orgânico, retomou no debate o desequilíbrio entre o Estado e as iniciativas de certificação participativa. Na lógica do Estado, através do Ministério da Agricultura, as inconformidades na produção de orgânicos precisam ser punidas, por exemplo, enquanto nos SPGs, essas falhas procuram ser resolvidas com educação e orientação, num diálogo aberto entre produtores e certificadores. “O SPG é um processo social que não tem como objetivo simplesmente gerar um selo de credibilidade orgânica, mas é um processo educativo, de construção coletiva do conhecimento em que agricultores, consumidores e técnicos, todos juntos, vão trocar experiências e construir juntos o conhecimento agroecológico”, conta.
Por fim, ressaltou uma característica única dos SPGs: a possibilidade de adaptação do processo de certificação de acordo com cada realidade local. Um exemplo disso é o que vem acontecendo com as comunidades indígenas do Xingu, primeiro SPG indígena do país. Nesse processo inédito, a formação e os formulários dos agricultores tem um formato muito mais visual, por meio de desenhos que demonstram o plano de manejo e a produção de cada unidade. Um formato que funciona muito melhor para aquela realidade cultural. Segundo Romeu, essa possibilidade de adaptação é importante porque para o perfil do agricultor familiar o excesso de burocracia só atrapalha o avanço dos SPGs. 
Sabendo disso, o coordenador do Fórum Brasileiro de SPG afirmou que a entidade tem discutido a simplificação da documentação para o credenciamento dos agricultores orgânicos, a fim de democratizar ainda mais esse sistema.
Na segunda parte do evento, o público pôde conhecer três SPGs que existem na América Latina. A Tijtoca Nemiliztli, do México, representada pelo agricultor Fernando George Pluma; a Paraguay Orgánico, apresentada pela Daniela Solís e a Rede Ecovida de Agroecologia, representada pela agricultora Tânea Mara Follmann.
Fernando George PlumaFernando e Daniela explicaram o funcionamento das suas redes de SPG e apresentaram o Daniela Solíspanorama da certificação participativa e da produção de orgânicos nos seus países, seus avanços e desafios a serem enfrentados. Com a fala de encerramento, Tânea Mara Follmann, coordenadora do Núcleo Litoral Catarinense da Rede Ecovida,  explicou o funcionamento do processo de certificação na Rede e detalhou o passo a passo para a entrada de
Tânea Mara Follmann
Tânea lembrou também da importância da relação entre os agricultores e grupos da região e ressaltou que antes de ser uma rede de certificação, a Ecovida é uma rede de Agroecologia. Ela concorda que o principal desafio dos SPGs hoje é a questão da documentação necessária para a certificação que por vezes acaba sendo muito extensa. “É cada vez maior a necessidade de comprovar o que você faz e convencer as pessoas de que o que você faz é bom e está dentro de normas. Isso tem estado cada vez mais presente e causa um desgaste em todo o processo, porque é como se te colocassem em dúvida a todo momento”.
Por outro lado, Tânea conta que com as reuniões de grupos, de núcleos e os encontros anuais promovidos pela Rede, os frutos do SPG ultrapassam a certificação: “existem experiências que são trocadas ali onde se aprende muito entre agricultores. O SPG promove uma visibilidade e aproxima os agricultores das pessoas que consomem e gera um movimento muito legal que é, com certeza, uma conquista para os agricultores”. 
A agrônoma Cassiele Lusa Mendes Bley, que atua na Epagri de Antônio Carlos, veio ao debate e conta que conhecer melhor os processos de certificação da Rede Ecovida foi essencial. Atualmente no município é feita somente a certificação por auditoria, mas existe a vontade de criar um grupo de SPG, principalmente depois das últimas mudanças na legislação sobre certificação orgânica, “agora está muito mais rígida principalmente para o pequeno produtor, então eles vem buscar essas informações e a gente tem que ter uma outra alternativa, algo melhor para oferecer”, conta Cassiele.
O Secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Antônio Carlos, Osvaldino Gesser, também participou do debate e ressalta a importância de promover a agricultura ecológica através das dinâmicas de SPG junto aos trabalhadores rurais do município. “Temos uma preocupação com a saúde dos nossos agricultores e agricultoras, além do cuidado com o meio-ambiente”, afirma o Secretário, que relata que casos de câncer de pele e depressão têm se tornado cada vez mais comuns em Antônio Carlos.